Barulho, muito barulho, está a ser feito à volta da acusação que o Ministério Público de Portugal fez a Manuel Vicente por crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Mas é só, como dizem os brasileiros, “para boi dormir”.
Por Rui Verde (*)
Entre comunicados, contra-comunicados e fugas de informação, duas coisas tornaram-se claras: Angola não deixa Manuel Vicente ser julgado em Portugal; e Angola abriu a possibilidade de o processo português continuar em Luanda.
Ora, para percebermos o que significa, esta segunda possibilidade tem de ser analisada à lupa. Os acordos internacionais entre Angola e Portugal permitem a transferência para Angola do processo contra Manuel Vicente, a correr termos em Portugal, onde Vicente seria julgado, e dirigido pelo Ministério Público português.
Em termos legais, tal hipótese está prevista concretamente nos instrumentos de cooperação judiciária internacional. No caso da cooperação judiciária entre Portugal e Angola, está em causa a Resolução da Assembleia da República n.º 11/97, de 4 de Março, que aprovou para ratificação o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola.
Nos termos deste acordo, Portugal (um dos Estados Contratantes) poderá solicitar, através das autoridades judiciárias competentes e em conformidade com a respectiva lei, a continuação do procedimento penal contra uma pessoa que se encontre no território do outro Estado (Angola) e que tenha cometido uma infracção no território luso (artigo 55.º do Acordo). Quer isto dizer que Portugal poderá solicitar a Angola que dê continuidade ao processo contra Manuel Vicente, que se encontra em território angolano e terá alegadamente cometido os crimes em Portugal.
Para que tal aconteça, no entanto, é necessário que o Estado requerente (Portugal) se comprometa com as seguintes garantias:
Primeiro, que não procederá penalmente, pelo mesmo facto, contra o suspeito ou arguido, no caso de o mesmo vir a ser definitivamente julgado por sentença de um tribunal do Estado requerido (Angola).
Segundo, que o procedimento penal tenha por objecto um facto que constitua crime à luz da lei de ambos os Estados Contratantes, o que se verifica.
Terceiro, que a pena ou a medida de segurança inibidora da liberdade e correspondente ao facto seja de duração máxima não inferior a um ano, o que se também verifica.
Quarto, que o suspeito ou arguido tenha nacionalidade portuguesa ou angolana.
E finalmente – o que também se verifica – que o Estado requerente (Portugal) considere que a presença do suspeito ou arguido não pode ser assegurada perante os seus tribunais, podendo sê-lo no Estado requerido (Angola), de acordo com o artigo 56.º do Acordo.
Ao facto que é objecto do procedimento penal continuado nas condições referidas é aplicada a reacção criminal prevista na lei do Estado requerido (Angola), excepto se a lei do Estado requerente for mais favorável.
Portanto, para o assunto passar para Angola, basta Portugal requerer a Angola que julgue Manuel Vicente, e aí, com a imunidade parlamentar ou a lei de amnistia (sendo os factos objecto da acusação portuguesa anteriores a Novembro de 2015, já se aplica), Manuel Vicente sai incólume e Portugal livra-se, por meios legais e legítimos, da “batata quente”.
Estamos plenamente convictos de que este é o plano gizado por detrás de toda a informação e desinformação que tem vindo a ser lançada sobre o caso.
Seria mais importante que o procurador-geral da República de Angola se preocupasse em abrir um inquérito, em Angola, sobre as actividades de Manuel Vicente no país, como pareceu de resto exigir recentemente o governador do Banco Nacional de Angola.
Este é o repto que aqui deixamos: atender ao pedido de Walter Filipe, e investigar Manuel Vicente em Angola, pelos angolanos, devido a situações passadas em Angola.
(*) Maka Angola